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A minha tragédia das chuvas em Niterói

O barranco que desceu sobre a entrada da minha cozinha.

Agora que consegui realmente colocar a casa em ordem, posso descrever como foi a semana de 4 a 10 de abril aqui em Niterói. Diante do que eu vi e vivi posso antecipar que fui muito abençoado pois não perdi nada pessoal porém muitos perderam suas casas, seus pertences e até seus entes queridos. Os mais velhos da região onde moro relataram que a última vez que viram uma tragédia dessas proporções foi em 1966 – sem contar o incêndio do circo em Niterói em 1964 que vitimou mais de 500 pessoas. Incontáveis pessoas andavam sob a chuva, umas para ajudar outras para pedir ajuda/socorro. Ainda twittei mensagens na noite de segunda onde escutei gritos e um pouco de barranco caiu sobre minha área. Pela foto ao lado vocês podem imaginar que não ficou apenas um pouco de barranco sobre minha área. Vou descrever como foi o ocorrido.

Na segunda, dia 5, acordei cedo para uma entrevista no centro do Rio e estava um sol radiante às 7h30m. Porém, quando voltei para casa de barcas pude contemplar uma nuvem negra muito carregada entrando na Bahia de Guanabara pelo lado do mar. Eram 9h10m quando peguei meu carro no estacionamento e a chuva começou a cair; no começo bem fraco como uma garoa mas na metade do percurso de 6 km até minha residência a chuva engrosou bastante. A chuva ficou extremamente forte ao chegar em casa tanto que para abrir o portão da garagem já fiquei ensopado. E assim foi durante todo o dia: uma chuva forte com pequenas tréguas durante a tarde e sem intervalos a noite. Era muita água caindo do céu! Por volta das 20h caiu uma pequena carga de barro na minha área. Equivalente a uns 2 carrinhos de mão – pouca coisa mais já era um sinal. Ás 22h caiu mais um bom pedaço: aproximadamente uns 15 carrinhos de mão – já era preocupante. A Missionária Doriana insistiu para que retirássemos a máquina de lavar da área que mais tarde se revelou extremamente prudente. As 22h30m escutei uma mulher gritando: não sabia que naquele momento uma casa havia desmoronado e caido sobre o quarto da moça que fazia o transporte escolar das minhas filhas. Graças a Deus não houve feridos, a parede do quarto ruiu mas já não tinha ninguém nem na casa de cima e nem de baixo. As 23h40m um grande estrondo e falta luz em toda a rua. Era outra casa que desabou e derrubou o poste de luz num córrego  causando curto e desativando imediatamente o transformador. Apenas por um milagre que ninguém foi eletrocutado. Durante a madrugada, minha filha mais nova corre para o nosso quarto. Escutamos nossos vizinhos da casa ao lado falando alto e fui ver o que aconteceu. Eles me falam que escutaram um estrondo forte e  sairam de casa. Fui olha na minha varanda e ví que agora tinha pelo menos um caminhão de barro sobre ela. A mureta da área havia caído; por uma providência divina, parte da mureta que havia quebrado serviu de proteção para o barro não entrar pela porta da cozinha. Minha cozinha era apenas lama! Acordei a minha esposa e fomos limpar a cozinha para não piorar ainda mais. Depois disso fomos tentar dormir.

Terça, dia 6, acordo e me preparo para levar minha filha mais nova para a casa da babá que tinha luz e minha filha mais velha para a escola. Vejo a família TODA de um irmão da minha igreja caminhando debaixo da chuva; grito para ele e ele me diz que está indo para a casa do cunhado que está muito perigoso ali. Levo minha filha para a casa da babá e só o que vejo é lama!! Nem parece que moro na cidade! Muita lama! Não passava um carro na Alameda São Boaventura em Niterói, só depois que fiquei sabendo que, além de vários deslizamentos que bloqueavam a pista (alguns inclusive com corpos soterrados), a pista havia ruído em, pelo menos, 3 pontos diferentes. A única coisa que vi aberta foi um posto de gasolina – nem padaria, nem banca de jornais… nada aberto! Deixei minha filha na escola e voltei para casa; ainda vi uma grande barreira destruir a casa que já estava abandonada na curva abaixo da caixa d’água. Uma cena impressionante. Vocês podem ver no album de fotos pois tirei fotos depois. Ao retornar para casa soube que a chuva tinha feito uma vítima: Wanda, esposa de nosso presbítero Rogério havia falecido pois a barreira que caiu quebrou a parede do quarto e a soterrou debaixo de tonelada de terra e entulho. Mal podia acreditar… estávamos ainda sem luz e, portanto sem TV por isso não sabíamos da extensão das chuvas. Avisei o meu senhorio do que estava acontecendo e já o deixei avisado. As notícias que chegavam eram terríveis… muitas vítimas em todo o estado, municípios estavam debaixo d’água. Minha mãe me ligou de Maricá, município a 40 km de Niterói preocupado conosco; fiquei sabendo que Maricá também sofria pois a lagoa subiu de nível e inundou a cidade. A noite pedi para a minha esposa ir dormir na casa da babá com a minha filha mais nova para que ela ficasse mais calma. Eu ficaria em casa com minha filha mais velha. Meus vizinhos abandonaram a casa e foram dormir na casa de parentes. Às 2 da manhã fui acordado pelo irmão do meu senhorio que tinha sido avisado que o morro atrás estava estalando, provavelmente uma mangueira que ameaçava cair – poderia cair para o meu lado ou para o lado do meu vizinho. Eu e minha filha fomos ver se era na frente e vimos os vizinhos do outro lado da rua apontando para o morro atrás da nossa casa. Começava aí uma madrugada de horror e medo. Ainda sem luz munidos apenas de lanternas fomos vistoriar o que acontecia atrás do morro. O que vimos é que aparentemente não corríamos perigo mas o medo era grande. Quando não aguentamos mais fomos deitar. Nossos quartos eram bem longe da cena de perigo. É bom explicar que atrás da minha casa não há morro, apenas um barranco.

Quarta, dia 7. Acordo e vou olhar minha casa. Tudo está no lugar, graças a Deus apenas água na cozinha mas a geladeira já estava degelando e a água era limpa. Ao ir para a sacada, percebo que todos na rua estão olhando para o morro às costas da área da minha casa. Um conhecido da igreja passa na rua e grita para mim que é melhor eu sair dali rápido. Acordo minha filha e vou avaliar a situação da rua.  A árvore que ameaçava cair durante a madrugada cai, porém é sustentada pelo mato e algumas pequenas árvores que ainda existem na encosta. uma boa parte do morro desceu mas nada demais porem o morro estava marcado pelo cicatriz que o deslizamento deixou. Dou uma subida no morro para ver e percebi que não havia mais como ficar ali. O perigo era muito grande. Ligo para minha esposa e comunico a decisão; ela concorda imediatamente e começo a fazer ligações. Já sabia que a procura por imóveis em Niterói estava altíssima por isso liguei logo para um conhecido que sabia que o apartamento estava vazio e ele me cedeu pelo tempo que for preciso. Segundo passo era caminhão: não existia caminhão disponível para transportar a mudança! Estavam todos ocupados! A situação da cidade já era caótica e seria impossível conseguir e quando conseguia o preço era absurdo! Minha filha falou com o seu namorado e ele conseguiu um caminhão de mudança com ajudantes vindo lá da zona norte do Rio. O preço foi até barato! Minha esposa chegou e começamos agitar as coisas. Quando eu estava indo buscar as chaves do apartamento, o senhorio chegou. Preciso explicar que este senhorio é quase um irmão: gente da melhor qualidade e sempre está a disposição. Quando chegou, acompanhado da sua irmã fomos vistoriar a casa em junto e o que ele viu o deixou apavorado! Ele me aconselhou a providenciar logo a mudança pois a situação era crítica! Neste momento em que estamos conversando do alto da casa do pai dele, minha filha mais velha vem me falar de uma ligação e o barranco começa a cair quase em cima dela! Gritei para ela correr e nesse momento caiu pelo menos mais de um caminhão de barro ali. Depois de ver esta cena ele só falou comigo para agilizar isso que ele não queria ver ninguém morto alí! E ele estava branco como cera! Saí para buscar as chaves e vi mais estragos pela cidade. Ainda estávamos sem luz e era prioritário sair dali começamos a desmontar tudo, guardar as roupas de qualquer jeito, comida tudo rápido! Peguei no cabo da enxada para retirar o barro que atrapalharia a mudança e começei a levar alguma coisa no meu carro mesmo. Quando o caminhão chegou começamos a levar as coisas. Acabei a mudança era 22h50m

Esse foi apenas um resumo do que aconteceu gente… para vocês terem uma idéia, minha filhota de três anos que saiu na terça de casa, só foi para a casa nova na sexta a tarde. Meu coração estava apertado… mas queria ela longe deste tumulto todo que aconteceu. Mesmo assim ela está com medo de ir na casa velha pois tem muita terra lá. Mas o que importa é que Deus nos deu um livramento e hoje estamos bem. Muitas pessoas perderam suas casas, seus pertences, suas vidas.  Casas inteiras destruídas, pessoas que só sairam com a roupa do corpo; no morro do Bumba nossa congregação perdeu uma família com 13 pessoas. Por tudo o que aconteceu, ainda me considero um abençoado.

Vejam as fotos em nosso album no flickr ao lado.

Graça e Paz
Pastor Claybom



Publicado por Pastor Claybom, pai apaixonado, nerd como marca de nascimento, geek por paixão, adorador por excelência. Enfim, um servo de Deus que tenta entender tudo o que Ele nos oferece no dia a dia.



Um Comentário para “A minha tragédia das chuvas em Niterói”

  1. Sormani disse:

    Caro pastor Claaybom.Sua historia neste aspecto é feliz como a minha. tambem tive a casa interditada pela encosta n Bairro de fátima.E tive oportunidade de sair com minha familia para um lugar mais seguro.
    Agora estamos tentanto colocar as coisas em ordem. Mais estou preucupado com a morosidade do poder público – pois as chuvas virão talvez com memos força, é o que espero, mas virão. Assim temos que juntar forças para auxiliar os poderes publicos para que evitem situações como essas.
    Se tiver alguma informação, pois assim como sua filha, meu filho tambem esta assim.
    um abraço para o senhor e toda familia

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